segunda-feira, 29 de junho de 2020

Pensei saber...

Pensei saber do amor,
como sei de geopolítica,
da máfia e do antídoto da fome.

Pensei saber do amor,
como aprendi o cálculo algébrico,
e a solução de todos os enígmas espaciais.

Pensei saber de ti,
como sei de minha história.
Pensei saber de nós,
como sei do mundo.

Mas depois que te conheci,
preciso dizer-te,
urgentemente:
que não aprendi nada,
a vida inteira!
a

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Dia dos Namorados


Quem não tem namorado é alguém 
que tirou férias não remuneradas de si mesmo.
Namorado é a mais difícil das conquistas.
Difícil por que namorado de verdade é muito raro.
Necessita de adivinhação, de pele, de saliva,
lágrimas, nuvem, quindim, brisa ou filosofia.
Paquera, gabiru, flerte, caso, transa,
envolvimento, até paixão é fácil .
Mas namorado é mesmo difícil.
Namorado não precisa ser o mais bonito,
mas ser aquele a quem quer se proteger
e quando se chega ao lado dele a gente treme,
sua frio e quase desmaia, pedindo proteção.
A proteção dele não precisa ser parruda,
decidida ou bandoleira, basta um olhar de
compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado não é quem não tem amor,
é quem não sabe o gosto de namorar.
Se você tem três pretendentes , dois paqueras,
um envolvimento e dois amantes,
mesmo assim pode não ter um namorado...
Se você não tem namorado é porque
ainda não enlouqueceu aquele
pouquinho necessário a fazer a vida
parar e de repente começar a fazer sentido.
(Carlos Drumond de Andrade)

Obrigada Drumond! Sempre peço sua ajuda quando estou desmotivada, como agora. Acho o texto acima adequado à data - pois entendo que não devemos ser "namorados por um dia apenas".

O ameaçado.

É o amor. Terei de me esconder ou fugir.
Crescem as paredes de seu cárcere,
como em um sonho atroz.

A bela máscara mudou,
mas como sempre é a única.
De que me servirão meus talismãs:
o exercício das letras, a vaga erudição,
o aprendizado das palavras que usou
o vago norte para cantar seus mares e suas espadas,
a serena amizade, as galerias da biblioteca,
as coisas comuns, os hábitos,
o jovem amor de minha mãe,
a sombra militar de meus mortos,
a noite intemporal, o gosto do sonho?

Estar ou não é a medida do meu tempo.
O cântaro já se quebra sobre a fonte,
já se levanta o homem à voz da ave,
já escureceram os que olham pelas janelas,
mas a sombra não trouxe a paz.

É, eu sei, é o amor:
a ansiedade e o alívio de ouvir tua voz,
espera e a memória, o horror de viver o sucessivo.
É o amor com suas mitologias,
com suas pequenas magias inúteis.
Há uma esquina pela qual não me atrevo a passar.
Agora os exércitos me cercam, as hordas.
(este quarto é irreal; ela não o viu.)

O nome de uma mulher me delata.
Dói-me uma mulher por todo o corpo.


Poema de Jorge Luis Borges (Adequado ao " Dia dos Namorados")